segunda-feira, setembro 17, 2007

Prólogo

(Quando a menina observa seu reflexo no espelho pela primeira vez)


Foram sempre as mesmas pessoas, as mesmas brincadeiras. Desde cedo ela aprendera de quem gostar, de quem não gostar, para quem sorrir, de quem desconfiar. Seus hábitos mundanos foram herdados de seus parentes. Mas eles discordavam entre si, e por mais que soubessem quando calar na presença da menina sempre escapava algo. Algo palpável, materializado na forma de olhares, de suspiros, de sussurros. Ou algo sutil, mas mesmo assim físico, pairando no ar como fumaça.
E ela aprendera a agir na presença de cada um deles, mas não dos dois. Ela sorria quando tinha que sorrir, ela conversava quando tinha que conversar. E ela chorava escondida, no banheiro, ou no quarto, coberta até o topo da cabeça, pés aparentes sob o lençol, sentindo frio na alma.
Um dia, em uma das crises de choro no banheiro, olhou-se no espelho. E viu-se pela primeira vez. Viu suas vontades, viu seus desejos, suas manias, seus olhares, seus sorrisos. Não mais o reflexo da vontade de seus pais, mas o que ela era. Dentro do espelho, refletido. Preso. E chorando.
Vira-se bonita, sentira pena de si mesma, e se acalmara com um sorriso. O sorriso mais bonito que já tinha dado até então, emoldurado pelas lágrimas e pelo brilho nos olhos. O brilho que só muita dor e muito medo produzem. O brilho de quem se afoga e luta para voltar à superfície.
Seu reflexo sorria de volta, e por alguns poucos minutos, enquanto chorava, ela conversou sozinha, dividindo sonhos, segredos e seus mais profundos pensamentos. Aqueles que escondia de seu pai e sua mãe por envolverem os olhares errados, os sorrisos errados e a confiança na pessoa errada.
Seu reflexo era seu único amigo real. O único amigo que ela escolhera. E o único que teria por um bom tempo.


Sarita de O. M. da Silva
17/09/2007 - 17h11

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