segunda-feira, dezembro 25, 2006

Natal

O barulho de pratos, talheres e pessoas conversando enchia a casa com o Natal.
Até onde conseguia lembrar, seu Natal sempre fora uma seqüência de sons, a mesma ordem, o mesmo tom. Pratos de louça, travessas de inox, os talheres do enxoval de sua mãe, os copos de cristal usados apenas nesta ocasião e no ano novo. As taças sobre a mesa: água e vinho, um pedaço de pão. Homenagem desconhecida e nunca explicada.

A casa aos poucos mudava de cara. Móveis eram arrastados, cadeiras eram arrumadas nos lugares onde as pessoas iriam sentar-se. Tudo em seu devido lugar: frutas cristalizadas, nozes, avelãs tinham sua travessa certa, usada há anos; rabanadas, colocadas na mesma posição; panetone.

Quando chegou na sala, tudo já estava pronto. Os copos sobre a mesa, em seus descansos “para não molhar a toalha”, disse sua mãe, a mesma toalha há 26 anos. Quatro cadeiras, pois a 5a viria da cozinha, “cansei de comprar uma cadeira a mais para seu pai e ele não dar valor”, disse sua mãe, enquanto alinhava os milímetros que faltavam entre as cadeiras. O sofá, escondido atrás da mesa, “ninguém vai querer sentar pra ver televisão hoje, há muito o que fazer”, disse sua mãe, ainda as voltas com as cadeiras.

Moveu-se lentamente em direção a cozinha. “Saia, aqui não há lugar pra você, não vê que ainda estou arrumando tudo?”, dissera sua mãe, enquanto ele arrastava os chinelos pelo piso ainda molhado.

Sua irmã preparava as rabanadas. O fogo alto, o cabelo desordenado, as mãos sujas e ágeis, molhando as fatias de pão e colocando-as na frigideira. Natal. Aquilo era Natal: cozinha quente, cheia de pratos, travessas, copos, tudo esperando-o para serem lavados, secos e devidamente colocados no lugar à mesa. Ele fingiu não ver e furtou uma rabanada que sua irmã acabara de colocar, “ela não vai perceber”, pensou.
“Ei, eu disse que podia comer? Você mal acordou e já vem atrapalhar os outros”, ela disse. “Mas...” “Não tem mas. Vai, sai daqui antes que eu fale com a mãe que você tá me atrapalhando!”

Voltou para o quarto, deitou-se na cama ainda quente e olhou para o teto. O cobertor embolado sob suas costas incomodava, mas ele não se importava.
Ligou para a namorada, “ela não está, foi fazer compras com o irmão...”, disse a empregada, sempre reticente, sempre hesitante.
Ninguém. Ninguém queria sua companhia, ninguém queria sua presença.

Levantou-se, fechou as persianas e a porta, ligou o ventilador e deitou-se novamente. Desta vez, pegou o cobertor e cobriu-se. O vento era gostoso, gelado naquela manhã de véspera de Natal. Dormiu embalado pelas reclamações da mãe e pela música que vinha do rádio. Sabia que seria acordado em 1 hora para que pudesse ouvir melhor as reclamações e estar presente, mesmo que sem nada para fazer, enquanto sua irmã preparasse o almoço – sempre atrasado.

Do lado de fora, os vizinhos faziam churrasco e as crianças corriam. Sua ausência não era sentida. Sempre foi assim, até onde conseguia lembrar...

Em 24/12/2004

* * *

Feliz Natal. =)

Um comentário:

Anônimo disse...

Alguns contos seus são horríveis... Não no sentido técnico, mas eu não consigo ser deprimente, graças a Deus...